Ao longo dos anos, Wanderlino Nogueira Neto se tornou uma referência nacional e internacional na defesa dos direitos humanos infantojuvenis. Importante militante e teórico da área, atualmente é um dos membros do Comitê das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança para o mandato de 2013-2016.
Em sua atuação no Comitê, Wanderlino tem sistematicamente se concentrado nos seguintes assuntos: a necessidade de se abolir a pena de morte; o rebaixamento da idade penal como uma forma condenável de “reforma para pior” da norma de direitos humanos; o repúdio às diversas formas de discriminação por questões de gênero, raça, etnia, orientação sexual, identidade de gênero, etc; as más práticas no campo da saúde e da educação (ablação de clitóris, obstáculos no acesso à permanência e sucesso das meninas na educação, HIV/AIDS, etc); gerenciamento de dados e informações; instâncias e mecanismos de coordenação e de monitoramento; abuso e exploração sexual e envolvimento de crianças e adolescentes em conflitos armados.
Embora seja representante do Brasil no CDC, Wanderlino, assim como os demais membros do Comitê, não pode manter contato com o governo brasileiro e nem emitir opiniões ou informações sobre as políticas e normativas internas de seu respectivo país, conforme determina as Diretrizes de Adis Abeba, que é o Código de Ética do Alto Comissariado para os Direitos Humanos e seus Órgãos de Tratados.
Organizações da sociedade civil e de diversas instâncias do Poder Público, do governo brasileiro apoiam a recondução de Wanderlino como membro do CDC, principalmente pelo importante trabalho em defesa de crianças e adolescentes de todo o mundo e pelo fortalecimento do protagonismo do Brasil na defesa dos direitos humanos no cenário internacional. Uma Carta de Apoio à sua candidatura já conta com a assinatura de mais de 70 organizações e instituições de todo país.
Nesta entrevista, Wanderlino fala sobre o contexto dos direitos humanos de crianças e adolescentes no mundo, faz um balanço de sua gestão à frente do Comitê e aponta os principais desafios de seu mandato. “Eu me considero com uma missão, especialmente em fazer integrados os direitos da criança com os direitos da mulher, dos imigrantes, das vítimas de tortura e de castigos cruéis e degradantes. Para mim, estes são os maiores desafios”.
Confira:
Já se passaram 26 anos desde a CDC e por que ainda é tão urgente e necessário lutar pela defesa desses direitos de crianças e adolescentes?
Uma coisa é a promulgação, a edição de uma lei ou de um tratado internacional. A outra é a sua implementação, é a sua operacionalização. Temos 26 anos sobre a Convenção dos Direitos da Criança no mundo inteiro, mas minha experiência no Comitê me demonstrou que a sua implementação em muitos países do mundo ainda está muito longe de acontecer. Por exemplo, pena de morte para crianças, prisão perpétua, redução de idade penal, exploração e abuso sexual, transmissão vertical do HIV, esses são só alguns exemplos de situações de fato que negam os direitos, por isso precisamos cada vez mais insistir, relembrando, disseminando, lutando, no sentido puro da palavra, para que essas normas legais (nacionais e internacionais) se tornem políticas públicas, programas, serviços e ações baseadas nessas normas.
Qual o balanço desse período de atuação junto ao Comitê de Direitos da Criança da ONU?
O balanço é, ao mesmo tempo, positivo e negativo. Nesse período em que estou no Comitê, observei que muitos países vêm para o diálogo (seus governos, sociedade civil e meio acadêmico) apresentando negações, violações dos direitos consagrados em nível internacional e mesmo em nível nacional. Mas também estou muito esperançoso. Tenho visto que, depois do diálogo, depois que esses governos recebem nossas recomendações e orientações, eles têm transformado suas normativas internas e suas políticas públicas de maneira bastante positiva. Por exemplo, o governo do Quênia recentemente nos respondeu dizendo que adequou em muitos pontos a legislação interna de seu país e suas políticas às recomendações do Comitê. Assim como outros países que também assim o fazem. Nós ficamos bastante felizes e gratificados em saber que nosso trabalho no Comitê é efetivo, eficaz e eficiente. Outro ponto que nos demonstra nossa efetividade é, por exemplo, a declaração da menina Malala Yousafzai, que ganhou o Prêmio Nobel da Paz e no seu discurso de aceitação do prêmio, citou nosso Comitê, agradecendo nosso trabalho.
Na sua opinião, quais as maiores violações de direitos humanos de crianças e adolescentes observadas nos últimos anos?
A questão do abuso e da exploração sexual de crianças e adolescentes, a pornografia, a venda de crianças para diversos fins, situações essas que justificaram a edição posterior à Convenção de um Protocolo Facultativo sobre esses temas. Esses são assuntos que, no mundo, aparecem principalmente em países da África, da Ásia, da América Latina, da Europa, sem exceção. Não é o fato de ser país mais desenvolvido, menos desenvolvido que faz com que esse abuso, essa exploração sexual não apareça. Outro ponto é a questão da migração econômica e do refúgio político. Essa é a situação mais aguda que aparece, no momento, principalmente de crianças desacompanhadas de seu entorno familiar. Outro ponto seríssimo é a violência letal contra crianças e adolescentes, assassinatos, etc; no momento, o que mais nos choca no Comitê são essas questões. Também, num nível de massividade, de sistematicidade, é de se registrar o atendimento vicioso, o mau atendimento ao adolescente em conflito com a lei, com soluções simplistas como a redução da idade penal, a tortura, castigos cruéis e degradantes, castigos físicos, tudo isso se desenvolvendo nesse atendimento ao adolescente responsabilizado por crimes, por estar em conflito com a lei.
Quais foram suas principais contribuições para o CDC, sobretudo no contexto regional na América Latina?
Tenho participado como intelectual, como professor acadêmico, dando palestras, conferências magnas em muitos países (da América Latina, em especial), mas é importante distinguir duas coisas: Wanderlino enquanto acadêmico, atuando especialmente em congressos também acadêmicos, em cursos, qualificado por sua experiência no Comitê. A outra é quando nós, como membros, somos designados formalmente pelo Bureau, isto é, a mesa diretiva do Comitê para representá-lo formalmente em determinados eventos. Isso é muito raro, porque compete à mesa diretiva, em especial, ao Presidente do Comitê, essa representação formal que ele, às vezes, delega. Por exemplo, estive representando formalmente o Comitê na América Latina no Congresso Internacional sobre Direitos da Criança na cidade de Puebla del México (México), estive também representando o Comitê em evento em Barcelona (Espanha), entre outros países. Minhas maiores contribuições eu também coloco como a minha integração aos grupos que estão elaborando os Comentários Gerais sobre determinados temas. Essas são jurisprudências administrativas, isto é, o Comitê, baseado em decisões individuais dirigidas a um certo número relevante de países, escreve um texto teórico a respeito de temas como “Gastos Públicos”, como “Comunicação Social e Interatividade”, como “Meninos e Meninas em Situação de Rua”. Também tive um papel que eu considero preponderante na elaboração de um comentário geral do nosso Comitê da Criança em conjunto com o Comitê da Mulher sobre “Más Práticas”, tratando especialmente das formas de violência contra mulheres.
Você é candidato à reeleição como membro do Comitê, quais os desafios para o próximo período?
Eu compreendo que tanto esse cargo quanto essa candidatura de recondução pertencem ao Brasil e agradeço muito a confiança por ter tido a oportunidade de contribuir com o avanço das diretrizes do Comitê em todo o mundo. Se o Brasil se candidatar outra vez e compreender que minha participação neste período foi positiva para a luta pelos direitos humanos, em especial pelos direitos humanos da criança, eu aceitarei o desafio e vou me dedicar com muito afinco para corresponder às expectativas e continuar nessa luta por determinados pontos da operacionalização da implementação da Convenção no mundo. Para mim o maior desafio à frente do Comitê é integrar os direitos da criança com os direitos da mulher, dos imigrantes e das vítimas de tortura e de castigos cruéis e degradantes. Ficaria muito honrado em ser reconduzido e poder cumprir um novo mandato.
Quem é
Wanderlino Nogueira Neto é associado ao Cedeca Rio de Janeiro, membro do Comitê dos Direitos da Criança das Organizações das Nações Unidas (ONU), procurador de Justiça aposentado do Ministério Público da Bahia e foi coordenador do Grupo para Monitoramento da Implementação da Convenção sobre os Direitos da Criança da Seção Brasil. Em 2011, recebeu dois prêmios por sua atuação na defesa dos direitos humanos de crianças e adolescentes. O Prêmio Neide Castanha de Direitos Humanos, concedido pelo Comitê Nacional de Enfrentamento à Violência Sexual Contra Crianças e Adolescentes, e o Prêmio Direitos Humanos 2011, concedido pela Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República.
Ascom/Anced